top of page

A RESENHA

Publicado em Outubro de 2013, o livro “O Círculo” apresenta um futuro próximo, proposto como distópico. Sob o ponto de vista de Mae Holland, inserida no papel de personagem principal, o autor Dave Eggers faz uma crítica sobre a era da internet e o fácil compartilhamento de informações pessoais via online.

Mae Holland é uma garota vinda de família simples. Formou em psicologia, após ter experimentado vários outros cursos e não ter se adaptado em nenhum, e se recusou a permanecer na pacata vida que parece ter sido imposta a seus pais ao longo dos anos. É relatado que o pai de Mae possui Esclerose Múltipla, e as brigas com planos de saúde por conta de tratamentos caros são atividades diárias na vida de sua mãe.

Logo no início do livro, é colocado para os leitores a forma como Mae deseja prosperar em sua vida e de como nunca desejou ficar estagnada em algo que não lhe permitisse alcançar o potencial desejado. Todavia, ela se mostra como uma garota ingênua, de maneira até mesmo irritante. Assim, pode-se afirmar que Mae permanece firme em suas opiniões, às vezes independente ao que está em jogo.

Ao longo da obra, é retratada a maneira como todos na empresa enxergam suas funções dentro desta. É essencial que todos os indivíduos inseridos ali estejam satisfeitos, em prol de um coletivo eficiente. Isso é apresentado em vários momentos do livro, em repetições sobre a grande importância da comunidade entre os seres humanos. Em uma determinada parte, o chefe da equipe de Mae, Dan, faz a seguinte colocação:

“Queremos que este seja um local de trabalho, [...], mas também deve ser um local humano. E isso significa o fomento da comunidade. Na verdade, isto tem de ser uma comunidade. Esse é um dos nossos lemas, como você provavelmente já sabe: A comunidade em primeiro lugar. [...] Não somos autômatos. [...] Somos um grupo formado pelas melhores mentes de nossa geração. Gerações. E garantir que este seja um lugar onde nossa humanidade seja respeitada, onde nossas opiniões sejam valorizadas, onde nossas vozes sejam ouvidas - isso é tão importante quanto qualquer receita que possa ser gerada, qualquer cotação das ações na Bolsa, qualquer empreendimento promovido aqui.” (p. 55-56)

Entre esses acontecimentos, a personagem explica que precisou voltar para a casa de seus pais, a pedido de sua mãe, por conta de uma complicação na doença de seu pai. Este fato é tratado com descaso, em decorrência de Mae ao menos ter publicado algo em sua página social avisando o que havia acontecido. Não há mais segredos, nem informações que não possam ser acessadas online. Tudo deve ser compartilhado, e a falta dessa abertura gera desconfortos para quem não o faz.

O Círculo mostra uma infinidade de plataformas, todas com determinadas funções, que busam o aperfeiçoamento da comunidade. Dentre estes, o TruYou, rede social unificada que visa o facilitamento e a rapidez. A partir da utilização desta, não seria mais necessário possuir dezenas de senhas e contas, pois todas as informações sobre o indivíduo estariam centralizadas em uma única rede digital.

Durante a leitura, há outras plataformas. Dentre elas, o SeeChange, uma câmera minúscula e barata que pode ser instalada em qualquer lugar sem o conhecimento e autorização de terceiros. O SoulSearch aplicativo que permite encontrar qualquer criminoso fugitivo em menos de 20 minutos. O PastPerfect, que permite traçar o passado de qualquer indivíduo, a fim de cruzar com todas as informações possuídas até o presente. O ChildTrack, um aplicativo que pretende uma maior segurança e vigilância para crianças e adolescentes a partir de um microchip implantado no interior do osso de cada uma. O Demoxie, uma tecnologia que visa integrar o sistema democrático dos EUA e, futuramente, de outros países, com o perfil d’O Círculo de todos os cidadãos em idade de voto.

Enquanto o leitor absorve toda essa nova cultura digital e distópica d’O Círculo, é apresentado, em contrapartida, Mercer, ex-namorado de Mae. Mercer possui uma empresa responsável pela construção de lustres feitos a partir de chifres de veados e é contra quase todas as tecnologias existentes no livro. Para realizar vendas, ele alega que possuir um telefone e um site é mais do que suficiente, e que não deseja ser rico às custas de um sistema que te faz ser sem graça e mais um em milhões. Em vários momentos do livro, ele repreende Mae pelo seu posicionamento, defendendo que não é necessário compartilhar tudo o que se vive e que perde-se oportunidades reais de viver em decorrência de oferecer um clique que agrade um estranho.

Com o transitar de poucas semanas, Mae passa de uma mera integrante para alguém com importância dentro de todo o sistema construído ali. Ela se vê então inserida em grandes decisões da empresa, o que faz com que tenha que abrir mão de algo que a reforce como indivíduo: sua privacidade. Fica claro que este é o objetivo principal d’O Círculo: promover um mundo em que a transparência esteja em primeiro lugar, onde todos sabem de tudo, o tempo todo e onde quiserem. Segundo a empresa, “saber é bom, mas saber de tudo é melhor ainda”.

Em seu todo, O Círculo é um livro capaz de gerar angústia sobre a capacidade que os seres humanos tem em priorizar conexões virtuais a reais. O autor nos leva a um diálogo da linha tênue entre o público e o privado com citações como “segredos são mentiras; compartilhar é cuidar; privacidade é roubo”. Ver como ocorre a alienação dos personagens traz a reflexão sobre como este “futuro distópico” já não é mais um futuro tão longe assim. Já vivemos ele. Já estamos inseridos nesta sociedade digital ditatorial, que nos é imposta diariamente sem que mal nos demos conta. Ao terminarmos o livro, nos questionamos então sobre as seguintes questões: até onde temos o direito a nossa privacidade? E, principalmente, qual seria o limite de isso tudo?

Ao decorrer do livro, percebe-se que não é bem assim que as coisas funcionam dentro d’O Círculo. A comunidade é realmente algo relevante para todos, mas o coletivo muitas vezes acaba suprimindo toda a individualidade que os sujeitos ali possuem. Em diversas ocasiões, Mae recebe represálias quando falta em um evento ou quando não responde a convites para brunchs ou reuniões extracurriculares.

Gif disponível em Tumblr.com

Gif disponível em Tumblr.com

Gif disponível em Tumblr.com

Imagem disponível em SobreFavoritos.com

bottom of page